Carlos Arthur Nuzman: propina olímpica

Carlos Arthur Nuzman (Foto:  Tomás Rangel/ Editora Globo)
A terça-feira (5) começou mais cedo para Carlos Arthur Nuzman, o todo-poderoso cartola do esporte olímpico brasileiro. Mas não porque ele fosse se exercitar. Por volta das 6 horas da manhã, enquanto ainda dormia, uma picape preta com meia dúzia de agentes da Polícia Federal chegou a seu casarão amarelo desbotado no Rio de Janeiro, no bairro nobre do Leblon, para dar início a uma nova fase da Operação Lava Jato: a Unfair Play – ou “jogo injusto”, numa tradução literal. Oito anos depois de o Brasil ter conquistado o direito de sediar os Jogos Olímpicos de 2016, os investigadores suspeitam que Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) há 22 anos e um dos principais responsáveis pela candidatura do Rio de Janeiro à Olimpíada, tenha ocupado papel central num esquema de compra de votos para garantir aquela vitória.
O Ministério Público Federal (MPF) enxerga em Nuzman o elo entre “corruptos e corruptores” no jogo sujo para eleger o Rio de Janeiro sede olímpica. Numa ponta estão o ex-governador Sérgio Cabral e seu aliado Arthur Soares, o “Rei Arthur”, com quem o governo fluminense firmou contratos de prestação de serviços estimados em bilhões de reais. Na outra, encontram-se o senegalês Papa Diack e seu pai, Lamine Diack, ex-presidente da Federação Internacional de Atletismo (IAAF, na sigla em inglês) e membro do Comitê Olímpico Internacional (COI). Os investigadores afirmam que Soares repassou US$ 2 milhões a Papa em setembro de 2009, às vésperas da votação que ocorreria em outubro, para seu pai votar a favor do Rio de Janeiro. A empresa Matlock Capital Group fez os depósitos. Trata-se de uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas e pertencente ao Rei Arthur.
“Temos comprovado o pagamento da empresa do Arthur Soares para Papa Diack. Há provas documentais de que a Matlock pertence a Arthur e transferiu para contas de Diack. Obviamente ele, um empresário brasileiro, não teria como saber a quem pagar para comprar os votos. Alguém fez essa ligação, e acreditamos, pelas circunstâncias, que Nuzman é a pessoa que teria feito a ligação. É o elo entre as pontas”, declarou o procurador Eduardo El Hage logo após as buscas na casa de Nuzman e também na sede do COB, entidade que o cartola preside há 22 anos e que agora entra na mira dos investigadores da Lava Jato.As suspeitas começaram quando o Ministério Público francês investigava membros do COI que recebiam propinas para ignorar denúncias de doping. Meio sem querer, os franceses acharam os depósitos de Soares para Diack e procuraram o MPF brasileiro para expandir as investigações. A Lava Jato, que já prendeu Cabral e tem vasto material sobre seus esquemas de corrupção no Rio de Janeiro, preencheu algumas lacunas. A cooperação complicou Nuzman porque, ao MP francês, seu arquirrival Eric Walther Maleson, ex-presidente da Confederação Brasileira de Desportos no Gelo (CBDG), entregou viagens feitas por ele a países africanos antes da escolha da sede olímpica no COI. Maleson afirmou que Nuzman e o secretário especial da prefeitura do Rio de Janeiro para a Olimpíada, Ruy Cesar Miranda Reis, viajaram em julho de 2009 para Abuja, na Nigéria, para apresentar a candidatura carioca a cartolas africanos. Meses depois, segundo contou Maleson aos investigadores franceses, Reis deu a entender que algum dinheiro havia sido pago.
Depois de ter sido acordado pela Polícia Federal na manhã da terça-feira, Nuzman passou cerca de seis horas em silêncio perante os agentes. Seu advogado, Sergio Mazzillo, declarou que nada foi feito de errado por parte do cartola durante a campanha que elegeu o Rio de Janeiro em 2009. “Não existem fortes indícios de nada”, disse o advogado à imprensa. Enquanto isso, a devassa no casarão amarelo no Leblon encontrou R$ 480 mil em espécie em cinco moedas diferentes – reais, euros, dólares, libras e francos suíços –, valor superior ao que foi achado na conta bancária de Nuzman pelo Banco Central, R$ 148 mil. A batida também rendeu a apreensão de documentos e um computador. Os policiais esperam encontrar neles evidências para expandir as investigações sobre a compra de votos. A Justiça apreendeu o passaporte de Nuzman e determinou o bloqueio de R$ 1 bilhão de seu patrimônio, incluindo carros, que o cartola, por enquanto, poderá dirigir, mas não vender.
Nuzman é o elo entre corruptos e corruptores na compra de votos para fazer do Rio de Janeiro sede dos Jogos de 2016, diz o MPF
Esse constrangimento público parecia inimaginável, há pouco tempo, para o maior cartola do esporte olímpico brasileiro, com poder equiparável apenas a alguns poucos chefões do futebol. Nuzman foi jogador de vôlei e chegou a disputar os Jogos Olímpicos de 1964. Na Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), como dirigente, começou a escrever o trecho mais pomposo de seu currículo. Durante o período em que a presidiu, de 1975 a 1995, a entidade formou a base para os vários títulos da seleção brasileira de vôlei. O trabalho o colocou na presidência do COB, posto que ocupa até hoje. Venceu cinco eleições sem que nenhum adversário ameaçasse seu reinado – nem Maleson, seu concorrente em 2012. A última, em outubro de 2016, lhe garantiu a chefia até 2020. A influência política se expandiu internacionalmente com a candidatura olímpica do Rio de Janeiro.
Nuzman entre agentes federais (Foto:  Ricardo Moraes/REUTERS)
Algo pouco usual, Nuzman acumulou a presidência do COB com a chefia da candidatura do Rio de Janeiro para a Olimpíada de 2016. O fato ensejou estranhamento do Tribunal de Contas da União (TCU) na época. Afinal, o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos Rio-2016 repassaria dinheiro às contas bancárias do COB, como de fato aconteceu, num evidente conflito de interesses. Não importou. O cartola era o primeiro homem ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no anúncio da sede de 2016, em 2 de outubro de 2009. Ambos pularam, berraram e choraram abraçados quando o envelope mostrou o nome do Rio de Janeiro. A escolha foi acirrada. Estavam no páreo Madri, Espanha; Tóquio, Japão; e Chicago, Estados Unidos, cidades com melhor infraestrutura do que a carioca. Na entrevista coletiva após o anúncio, Nuzman rasgava seda em inglês para Lula, Cabral e Eduardo Paes, então prefeito do Rio de Janeiro.
A influência de Nuzman começou a se desgastar no decorrer da organização dos Jogos no Brasil. A promessa que fizera no momento da candidatura, de que os custos do evento seriam pagos totalmente com dinheiro da iniciativa privada, não foi cumprida. O governo federal e a prefeitura do Rio de Janeiro tiveram de entrar com bilhões públicos para cobrir furos no planejamento. O Comitê Organizador dos Jogos Rio-2016 está com as contas no vermelho e deve a fornecedores até hoje. O legado olímpico modestíssimo é motivo de vergonha para os responsáveis. Além disso, Nuzman perdeu a reeleição para presidente da Organização Desportiva Pan-Americana (Odepa) em abril de 2017. Apesar do favoritismo e do apoio público do presidente do COI, o belga Thomas Bach, Nuzman ficou em terceiro lugar e não chegou nem à rodada final da votação. Um desgaste político que tende a piorar, à medida que a investigação conjunta de brasileiros e franceses, alavancada com as descobertas da Lava Jato sobre os esquemas de corrupção de Cabral e do Rei Arthur, adentrar os bastidores da escolha do Rio de Janeiro para sediar a Olimpíada de 2016.

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