Delações premiadas já ajudaram a recuperar R$ 14 bilhões em todo o país

Prefeitura de Traipu (Foto: Divulgação)
Biscoito e suco em pó. Essa foi a principal refeição servida durante quase dois anos em escolas municipais de Traipu, cidade de  28 mil habitantes encravada no Agreste e no Sertão do estado de Alagoas. Bastou pouco tempo para que aumentasse os casos de desnutrição, já que a “merenda” servida no intervalo das aulas costuma ser a principal refeição do dia para a maior parte dos 4 mil estudantes do município. O ano era 2009.
A situação começou a mudar na manhã de 30 de março de 2011, quando a primeira-dama do município, Juliana Kummer, e o secretário de Administração, Francisco Albuquerque dos Santos, foram presos pela Polícia Federal na Operação Mascotch, que revelou um esquema criminoso organizado entre empresas e autoridades públicas para desviar recursos federais destinados à aquisição de merenda escolar.
A operação foi um desdobramento da Operação Caetés, investigação iniciada em 2010 pela Polícia Federal em Alagoas que efetuou prisões temporárias, além de buscas e apreensões, em nove municípios do estado. A partir da operação, os investigadores se depararam com a oportunidade de avançar sobre o esquema, que envolvia muito mais cidades e empresas, por meio da colaboração premiada de um dos empresários envolvidos.
Com a confissão dos crimes e a indicação de como era a engrenagem da corrupção, descobriu-se que o dinheiro desviado da merenda escolar era utilizado para o pagamento de compras pessoais dos envolvidos e que as autoridades de Traipu e outros municípios estavam implicadas.
O dinheiro que caía no bolso da quadrilha foi usado até a aquisição de uísque 12 anos, caixas de vinho, ração para cachorro e as mais variadas despesas pessoais do grupo. Todos os produtos eram comprados em supermercados que fraudavam licitações para ficar com a distribuição de merenda nas escolas das cidades. O dinheiro era descontado da verba encaminhada pelo Governo Federal. A Controladoria-Geral da União (CGU) aponta indícios de desvio de R$ 8,2 milhões de recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do Programa de Transporte Escolar, entre 2007 e 2009. Pelo menos 13 licitações foram fraudadas.
Escola em Traipu (Foto: Divulgação)
Os desdobramentos das operações, com apoio dos relatos dos delatores, revelaram que o esquema de desvio de dinheiro público era muito maior do que se imaginava. As investigações se estenderam para além das nove cidades abrangidas, que somam 194 mil habitantes e 32.818 estudantes, e o inquérito inicial foi desmembrado em nove, que passaram a compreender 17 cidades que contemplam 404.790 habitantes e 131.670 estudantes.
O exemplo acima, que ocorreu distante dos holofotes de outras grandes operações policiais como a Lava Jato, mostra como as delações premiadas transformaram radicalmente as investigações no Brasil, independentemente das pessoas investigadas ou da natureza do crime.
ÉPOCA analisou ou obteve informações de 285 acordos de delação firmados em todo o país desde a sanção da Lei das Organizações Criminosas, em 2013, e que resultaram na denúncia ou prisão de 1.213 suspeitos e na recuperação de pelo menos R$ 14,1 bilhões. Desse total, 194 acordos foram realizados por meio do MPF e o restante pelos MPs estaduais.
As delações não estão restritas às investigações envolvendo corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro, crimes identificados aos montes pela Lava Jato envolvendo contratos milionários de estatais e a cúpula do poder político e econômico. No âmbito dos Ministérios Públicos estaduais, predominam acordos firmados para investigar crimes como sequestro, adulteração de combustíveis, irregularidades em alimentos que chegam à mesa do consumidor, tráfico de drogas e receptação de veículos.
Os números ajudam a dimensionar a importância do instituto da colaboração premiada, já consolidado em países desenvolvidos como os Estados Unidos e a Itália. Por aqui, apesar de a possibilidade de colaborações de investigados existir desde, pelo menos, a década de 1990, foi com a Lei 12.850 de 2013, conhecida como Lei das Organizações Criminosas, que as delações ganharam um novo impulso.
Editada em resposta às mobilizações que tomaram as ruas do país em 2013, a lei tem como inspiração o modelo americano conhecido como plea bargain, que consiste em um acordo entre a acusação e o acusado para atenuar ou mesmo extinguir a pena em troca da confissão dos crimes e indicação de outros envolvidos.
De acordo com o coordenador da graduação da FGV Direito Rio, Thiago Bottino, a nova lei “incentivou” a colaboração porque deu mais segurança sobre os termos do acordo. “Antes, o criminoso não sabia se receberia os benefícios, nem quais benefícios, pois isso dependia de uma decisão do juiz no momento da sentença. Agora, com um acordo escrito e homologado, isso ficou mais claro. O colaborador sabe quais benefícios receberá antes mesmo de começar o processo”, explica.

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